Shanzhai: arte, história e falsificação
Gosto muito da forma como Byung-chul Han articula suas ideias. Em livros compactos, ele elabora ensaios que traduzem reflexões profundas sobre trabalho, felicidade, comunicação e cultura, e os impactos que esses modeos contemporâneos têm nos provocado. Em ‘Shanzhai’, sua obra mais recente traduzida para o português (set-2023), o foco está no conceito de falsificação.
Han descontrói a visão Ocidental a partir do pensamento chinês. Segundo este, a cópia é parte intrínseca de um fluxo contínuo de modificações em que não só é possível, mas necessário, dar à obra inicial novos conteúdos, imagens e funcionalidades — e se beneficiar desse processo.
O termo shanzhai é um neologismo para fake. Nasceu associado a telefones celulares: cópias de produtos de marca vendidos sob nomes como ‘Nokir’, ‘Samsing’ ou ‘Anycat’. No entanto, esses produtos não eram falsificações baratas; pelo contrário: além do design e funcionalidade equivalentes, os aparelhos, com o tempo, evoluíam acoplando features que resolviam problemas específicos do público chinês, eventualmente os tornando até superiores.
O shanzhai ilustra um tipo especial de criatividade. Seus produtos se desviam sucessivamente do original até se transformarem eles mesmos em um original. (p.63)
Aplicado à arte, o conceito se contrapõe a ideia que temos de ‘obra inviolável’. Pinturas chinesas, por exemplo, têm espaços em branco propositais que são depois preenchidos com selos ou ideogramas, recebendo assim novas camadas de elementos e interpretações. Tal como na teoria da retranscrição de Freud, que entendia a memória como um processo de imagens que se cruzam e se sobrepõem criando assim novas recordações, também o ‘shanzhai’ permite desvios da obra original em ciclos infindáveis, sem qualquer conotação negativa.
No fim, Han nos deixa uma provocação, usando como exemplo a catedral de Friburgo: construída na Idade Média com um tipo de arenito altamente suscetível à erosão, seu processo de restauro consiste em substituir as partes danificadas por novas. Chegará um momento em que todas as partes terão sido substituídas. Quando isso acontecer, a catedral continuará sendo ‘original’? Qual será a diferença entre ela e sua cópia em um parque temático chinês?
Artigos que escrevi, referenciando obras de Byung-chul Han: