Shanzhai: arte, história e falsificação

Tiago Rodrigo
2 min readJan 13, 2024

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Cidade oriental movimentada em cenário noturno. Há uma loja vendendo produtos eletrônicos ao centro.
AI-generated image. Prompt: ‘a tent on the streets of china with lots of bogus electronics being sold. pedestrians pass it by, ignoring it. dark city center urban shanghai style, digital art.’

Gosto muito da forma como Byung-chul Han articula suas ideias. Em livros compactos, ele elabora ensaios que traduzem reflexões profundas sobre trabalho, felicidade, comunicação e cultura, e os impactos que esses modeos contemporâneos têm nos provocado. Em ‘Shanzhai’, sua obra mais recente traduzida para o português (set-2023), o foco está no conceito de falsificação.

Han descontrói a visão Ocidental a partir do pensamento chinês. Segundo este, a cópia é parte intrínseca de um fluxo contínuo de modificações em que não só é possível, mas necessário, dar à obra inicial novos conteúdos, imagens e funcionalidades — e se beneficiar desse processo.

O termo shanzhai é um neologismo para fake. Nasceu associado a telefones celulares: cópias de produtos de marca vendidos sob nomes como ‘Nokir’, ‘Samsing’ ou ‘Anycat’. No entanto, esses produtos não eram falsificações baratas; pelo contrário: além do design e funcionalidade equivalentes, os aparelhos, com o tempo, evoluíam acoplando features que resolviam problemas específicos do público chinês, eventualmente os tornando até superiores.

O shanzhai ilustra um tipo especial de criatividade. Seus produtos se desviam sucessivamente do original até se transformarem eles mesmos em um original. (p.63)

Aplicado à arte, o conceito se contrapõe a ideia que temos de ‘obra inviolável’. Pinturas chinesas, por exemplo, têm espaços em branco propositais que são depois preenchidos com selos ou ideogramas, recebendo assim novas camadas de elementos e interpretações. Tal como na teoria da retranscrição de Freud, que entendia a memória como um processo de imagens que se cruzam e se sobrepõem criando assim novas recordações, também o ‘shanzhai’ permite desvios da obra original em ciclos infindáveis, sem qualquer conotação negativa.

No fim, Han nos deixa uma provocação, usando como exemplo a catedral de Friburgo: construída na Idade Média com um tipo de arenito altamente suscetível à erosão, seu processo de restauro consiste em substituir as partes danificadas por novas. Chegará um momento em que todas as partes terão sido substituídas. Quando isso acontecer, a catedral continuará sendo ‘original’? Qual será a diferença entre ela e sua cópia em um parque temático chinês?

Artigos que escrevi, referenciando obras de Byung-chul Han:

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