Originalidade versus a lógica no cotidiano

Tiago Rodrigo
7 min readAug 26, 2020

Se houvesse uma resposta lógica, nós já a teríamos encontrado. (Rory Sutherland)

Passamos boa parte da vida estudando e resolvendo problemas repletos de certeza e fatos conhecidos. Porém, assim que colocamos o caderno de lado e começamos a tomar decisões no dia a dia, os cenários com que nos deparamos são qualquer coisa, menos previsíveis.

Eis um típico problema matemático: dois ônibus saem do mesmo terminal ao meio dia. Um parte sentido oeste a 50km/h, ao passo que o outro segue em direção leste a 65km/h. Em quanto tempo eles estarão distantes entre si 150km?

Este é um problema essencialmente lógico: a equação compreende fatores sabidos e constantes. Basta aplicar a fórmula certas para resolvê-lo. É também o tipo de problema que pode ser automatizado, facilmente programado e delegado aos algoritmos — afinal, o poder de processamento e cálculo dos computadores é, há muito tempo, maior do que o nosso. Em contextos assim, limitados, em que ônibus milagrosamente viajam a velocidades constantes e não enfrentam percalços no trajeto, a máquina é imbatível.

Mas eis agora um problema diferente: preciso estar no aeroporto de Cumbica (GRU) para um voo que decola às 14h. A que hora devo sair de casa e qual a melhor alternativa a ser utilizada nesse trajeto?

Neste caso, já não há mais previsibilidade:

- pode chover, o que reduz a velocidade do trânsito e inviabiliza algumas rotas;

- ou acontecer um acidente na estrada;

- talvez eu não consiga um táxi pelo aplicativo no horário programado;

- um objeto no trilho pode forçar os trens do metrô a parar por tempo indeterminado; e assim por diante

Há inúmeros eventos que podem influenciar meu deslocamento, seja qual for o meio escolhido. Sem falar no custo e na comodidade: se a viagem leva duas semanas, deixar o carro no estacionamento do aeroporto pode sair caro demais, embora viajar de metrô com uma mala grande seja inconveniente.

Neste segundo cenário, e ao contrário do anterior, não há uma única resposta certa, mas sim uma série de possibilidades mais ou menos corretas, dentre as quais devo decidir. Não se trata, portanto, de um problema estritamente lógico, em que basta escolher a rota mais rápida, a exemplo do GPS, para encontrar a solução — esta, na verdade, passa por campos subjetivos, contextuais, até mesmo pessoais que extrapolam qualquer equação matemática. Além disso, conta com um alto nível de incerteza: uma decisão ruim pode conduzir a resultados catastróficos.

Em situações assim, nosso objetivo não se baliza por atingir o melhor resultado possível; mas evitar o pior — no exemplo, chegar ao aeroporto de forma razoavelmente rápida, cômoda, segura e, acima de tudo, a tempo de embarcar no voo reservado.

Racionais, mas nem sempre

Quando buscamos apenas respostas lógicas aos desafios do mundo, limitamos nossa linha de atuação. A abordagem puramente racional, científica, conduz a resultados efetivos, porém ortodoxos, de pouca originalidade — porque são resultados aos quais outras pessoas ou empresas poderiam chegar também, por meio de abordagens igualmente racionais e científicas.

É por esta razão que Rory Sutherland nos convida a um olhar mais ousado, que deixe de lado essas ponderações exclusivamente matemáticas, exatas, e traga em seu lugar uma postura inusitada, psicológica, mais criativa e aberta à subjetividade:

“(…) há centenas de soluções, aparentemente irracionais, para os problemas humanos simplesmente esperando para serem descobertas, se nos atrevermos a abandonar os padrões e a ingenuidade lógica na busca por respostas.” [1]

A maioria dos nossos problemas são assim, tornando nossa visão determinista algo um tanto inadequado. Sempre que tentarmos resolver situações com o pensamento lógico, estaremos nos limitando a uma análise incompleta, embora “racional”, de como as coisas funcionam e, por conseguinte, reduzindo a margem para adaptação e criatividade.

Vejamos um exemplo de “irracionalidade” eficaz que se tornou estudo de caso:

Em meados dos anos 1940, a Kraft criou um cereal chamado Shreddies e o disponibilizou nos mercados da Inglaterra, Canadá e Nova Zelândia. Durante muito tempo, ele foi líder de mercado. Até que suas vendas começaram a diminuir. Então, em 2008, a agência de publicidade Ogilvy & Mather Toronto foi contratada para desenhar uma nova proposta que fizesse com que o Shreddies retornasse ao topo — afinal, e conforme pesquisas identificaram na época, embora a participação de mercado estivesse decrescendo, os clientes ainda gostavam bastante do produto e estavam satisfeitos com sua qualidade.

Ao longo desse processo, e durante uma sessão de brainstorming, um estagiário de 26 anos chamado Hunter Sommerville fez um comentário sobre o produto, dizendo que ele não era quadrado, mas que tinha a forma de diamante. E o que poderia ter sido ignorado como uma mera brincadeira, tornou-se uma grande ideia e ponto de partida para a reconstrução do posicionamento de mercado do Shreddies — embasado, é claro, por uma forte e divertida campanha.

Foi aí que surgiu o Diamond Shreddies (Shreddies Diamante): exatamente o mesmo produto, com a mesma fórmula de fabricação, mas apenas uma proposta diferente. Seu sucesso foi quase imediato e alavancou as vendas do produto em 18,6% — além de transformá-lo em um grande case de publicidade. Posteriormente, a Kraft produziu até combos que combinavam os “dois formatos” do produto em uma única embalagem.

Há diversos outros cases sobre fatores pouco racionais que, no entanto, tornaram-se extremamente efetivos atendendo a necessidades não-declaradas e problemas mais psicológicos do que propriamente lógicos. Vamos explorar mais alguns:

  • pense sobre as pastas de dente: por que várias delas têm listras, separando os ingredientes de limpeza comuns daqueles que dão a sensação de refrescância? Do ponto de vista estritamente lógico, isso não faria o menor sentido, já que os dois elementos imediatamente se misturam em nossa boca logo nos primeiros segundos de escovação. A ideia por traz desse design, contudo, é a de que ao separar os componentes do creme o produto se torna mais convincente em suas diferentes propostas — limpeza e hálito fresco;
  • o botão que fecha as portas dos elevadores. Também chamado de “botão placebo” são pouquíssimos os que realmente têm algum tipo de função programada a fim de acelerar o fechamento das portas. Porém, eles continuam ali para nos dar a sensação de que temos algum controle sobre o processo e, com isso, reduzir um estresse ou ansiedade eventuais, especialmente quando seu utilizador está atrasado para um compromisso no 80º andar. Uma abordagem semelhante envolve os botões de travessia de pedestres que, teoricamente, aceleram o ciclo de tráfego dos carros, a fim de dar vez a quem vem a pé. Segundo estatísticas do município de São Paulo, cerca de 80% dos semáforos estão acoplados com a chamada “botoneira”, mas a maioria delas ou funciona de maneira aleatória ou simplesmente não está programa / conectada a circuito algum que possa interferir no fechamento do farol. Os dados paulistanos não estão disponíveis, mas em Nova Iorque, por exemplo, 76,92% desses botões estão desativados há pelo menos uma década (o processo de desativação teve início em 2004);
  • na Austrália, a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor autuou a Reckitt Benckiser por conta de sua linha de medicamentos para dores Nurofen. Na época, 2016, havia um conjunto de comprimidos para categorias diferentes, como enxaqueca, coluna e cólica, vendidos em embalagens distintas e com preços também variados. Entretanto, toda a linha possuía exatamente a mesma formulação química — o que, pela interpretação do órgão, lesava o consumidor ao conduzi-lo a interpretações equivocadas sobre os efeitos do produto. Na prática, a empresa se apoiava no conceito de placebos a fim de “fortalecer” o efeito desses medicamentos, algo totalmente psicológico, mas que tem resultados por vezes próximos ao de medicamentos reais, segundo diversos estudos científicos (vide referências abaixo)

John Maynard Keynes dizia:

“É melhor estar vagamente certo do que precisamente errado.”

Tendemos a supervalorizar respostas lógicas, porque elas nos dão ares mais científicos e uma sensação de controle sobre a situação. Entretanto, no fim das contas, o excesso de lógica pode nos tornar apenas previsíveis… pouco originais.

Saiba mais em:

Australian Competition and Consumer Commission. Full Federal Court orders $ 6 million penalty for Nurofen Specific Pain products.

Comercial de TV. (2011). “New Diamond Shreddies”.

Detalhes da campanha “Diamond Shreddies”.

Harvard Health Publishing. (2017). The power of placebo effect.

Kam-Hansen, S.; Jakubowski, M.; Kelley, J. M. et al. (2014). Altered placebo and drug labeling changes the outcome of episodic migraine attacks. Science translational medicine, 6(218), 218ra5.

Munnagi, L. (2020, atualizado em 18 de fevereiro). Placebo effect.

Sutherland, R. (2019). Alchemy: the surprising power of ideas that don’t make sense. London: WH Allen.

Sutherland, R. (2009). TED Talk: “Lições de vida de um publicitário”.

The Economist. A pressing problem: the pros and cons of placebo buttons. Matéria publicada na edição de 26 de janeiro de 2019.

[1] Tradução livre de “(…) there are also hundreds of seemingly irrational solutions to human problems just waiting to be discovered, if only we dare to abandon standard-issue, naïve logic in the search for answers.”

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Written by Tiago Rodrigo

Product Manager | Futures Thinker | Behavioral & Data Science

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