Me dá uma mãozinha, aí? Nudges e como eles têm sido usados para facilitar decisões

Tiago Rodrigo
8 min readJul 27, 2020

Agora que já sabemos o que é a Economia Comportamental (recapitule o artigo aqui), vamos falar sobre nudges. A palavra nudge diz respeito àqueles cutucões que costumamos dar em alguém, geralmente com o cotovelo, chamando sua atenção para algo que está acontecendo.

De certa forma, a proposta comportamental dos nudges é bem semelhante: são intervenções que buscam simplificar a tomada de decisão, ajudando as pessoas a obter melhores resultados — ou seja, dão um empurrãozinho na direção certa.

Por definição, um nudge deve ser simples, barato e não promover qualquer tipo de alteração nos incentivos financeiros envolvidos (Thaler & Sunstein, 2019).

Por exemplo: destacar lixeiras com pinturas divertidas e espalhar adesivos em forma de pegadas [1] que conduzam os pedestres a elas é um ótimo exemplo; alocar um fiscal para multar as pessoas que jogarem lixo no chão, não.

Esse conceito foi sendo desenvolvido ao longo da trajetória acadêmica de dois cientistas comportamentais, Richard Thaler e Cass Sunstein, e posteriormente consolidada no livro “Nudge” (2019).

A partir daí, passou a ser empregado em diferentes contextos, como forma de atenuar erros de interpretação e análise de contexto (vieses) e atalhos cognitivos (heurísticas) — desde situações cotidianas até questões mais complexas.

Mais interessante do que discutir o conceito em si é demonstrar suas aplicações. Vamos a alguns dos nudges mais famosos e/ou que obtiveram grandes resultados, conseguindo alterar comportamentos e direcionar escolhas positivamente.

Limpeza nos banheiros

Perdoem-me a foto do mictório. Mas esse adesivo no formato de uma mosca — sim, é um adesivo — foi colocado nos banheiros masculinos do aeroporto de Schiphol, Amsterdã, com o objetivo de reduzir as despesas com produtos e equipes de limpeza.

A lógica por trás dele tem a ver com um probleminha de mira, digamos assim, bastante comum aos homens. Daí a mosca, que se destaca de forma a chamar nossa atenção. Como sua posição representa aquela em que o jato de urina tende a provocar menos respingos, ela acaba promovendo essa melhoria — tanto aos bolsos da administração, quanto aos usuários, que encontram um ambiente mais limpo, por mais tempo.

Quanto aos resultados, embora seja difícil mensurar a redução de respingos de urina no chão e nas paredes, a Sphynx, empresa que fabrica esses mictórios e os administra em Schiphol, fala de uma redução em torno de 20% nos gastos com a limpeza dessas áreas, e em torno de 8% no geral.

Limpeza urbana

Elas até podem parecer “inofensivas” em um primeiro momento, mas as bitucas de cigarro são um dos principais tipos de lixo jogados no chão das grandes cidades. Além da sujeira, é claro, há os aspectos ambientais: trata-se de um item tóxico, que não é biodegradável.

Dessa forma, e a fim de salientar o problema — como elas são pequenas, podem passar despercebidas na correria do dia a dia — o governo de Oslo produziu um modelo gigantesco, que é posicionado em áreas centrais, em que há grande fluxo de pessoas, bares e restaurantes.

Na Bélgica, o governo optou por uma campanha publicitária mais impactante, que alerta a população para o fato de que uma única bituca jogada ao chão pode poluir até 500 litros de água.

As pessoas estão cientes de que jogar lixo no chão é um grande problema, e a maioria apoia iniciativas desse tipo; entretanto, e por vezes de forma involuntária, acabando o fazendo por estarem distraídas ou focadas em outra coisa. O propósito dessas iniciativas, portanto, é evidenciar um comportamento inadequado, tirando-o de seu contexto automático e invisível, a fim de suscitar respostas mais efetivas dos cidadãos. E o impacto é gigantesco: segundo dados da iniciativa Clean Europe Network, só em Paris, mais de 350 toneladas de bitucas são recolhidas das ruas todos os anos.

Hábitos mais saudáveis

A prática regular de atividades físicas reduz significativamente o risco de doenças cardíacas, influenciando diretamente em uma vida mais saudável, ainda mais quando combinada com uma alimentação adequada. Dessa forma, e a fim de incentivar que os usuários do metrô preferissem as escadas físicas às rolantes, diversas cidades ao redor do mundo, como Estocolmo, Seul e, mais recentemente, São Paulo, implementaram as “teclas de piano” em algumas saídas de estações. Conforme as pessoas pisam nesses degraus, eles emitem sons musicais.

Esta pequena alteração fez com que o número de pessoas optantes pelas escadas físicas subisse, em média, 2,3%[2]. Se pensarmos nos milhões de usuários que passam pelo sistema de transporte diariamente, esse percentual se torna bastante significativo.

Preservação do meio ambiente

Em 2014, a agência de publicidade BBDO, na Malásia, concebeu uma campanha bastante inusitada, no intuito de evidenciar comportamentos que causam impactos graves ao meio ambiente — em particular, a diversas espécies de animais que, em contato com lixo e outros objetos deixados pelas pessoas, especialmente itens de plástico, acabam morrendo:

As sacolas plásticas foram desenhadas de forma a parecer que a pessoa está segurando o animal pelo pescoço — e, portanto, colocando sua vida em risco. Apesar de forte, a campanha serviu para conscientizar a população sobre a quantidade enorme desse material que vai parar na natureza, inclusive mares e oceanos.

Alternativas para implantar um nudge

Como visto, nudges são ferramentas versáteis que podem ajudar pessoas a fazer melhores escolhas e a adotar comportamentos específicos em contextos variados, especialmente os que envolvem certa complexidade. Existem diferentes metodologias para pesquisar, testar e implantar um nudge — mas deixaremos este tópico para um outro artigo. Aqui, ressaltamos alguns caminhos que podem ser explorados para que sua empresa comece a pensar nesse tipo de abordagem como solução:

  • pré-compromissos: quando alguém se compromete previamente com uma ação, a chance de que ela não a execute diminui radicalmente. É por esta razão que consultórios médicos por vezes pedem que o próprio paciente anote em um papel (ou crie em sua agenda digital) uma anotação sobre a próxima consulta; ou porque contar a alguém que você está lendo um livro e, depois, vai apresentá-lo, geralmente faz com que essas propostas sejam levadas a cabo. Compromissos assumidos publicamente têm um efeito ainda maior — isso só não vale para a política ☹;
  • conveniência: há uma tendência natural para a escolha pela opção mais fácil, rápida ou simples. Por conta disso, e para evitar que os ruídos do processo desestimulem ações, faça com que o caminho desejado seja aquele mais saliente ou prático;
  • lembretes: vivemos em uma era repleta de estímulos que disputam incessantemente nossa atenção. Com base nisso, ajude seus colaboradores, amigos e clientes, lembrando-os de pontos importantes: datas, horários de medicação, ações esperadas, pendências, dentre outros. Nem todo mundo consegue organizar sua rotina e, por isso, uma ajudinha é sempre benvinda;
  • normas sociais: todos nós fazemos parte de grupos — de estudo, de trabalho, do condomínio, de interesses literários e assim por diante. Em cada um deles existem normas ou regras implícitas, que não geram punição, mas cuja conformidade garante a participação e identificação como membro do grupo. Assim, utilizar elementos comparativos aos indivíduos desse grupo pode reforçar comportamentos que promovam harmonia e bem-estar coletivo;
  • objetividade somada à visualização: o que se espera de mim? As ações requeridas precisam estar declaradas de forma objetiva, preferencialmente com destaques visuais. No começo da pandemia, por exemplo, muitos governos falavam em “praticar o distanciamento social”. Oras! Esta solicitação é bastante subjetiva: o que é distanciamento social para mim não o é para outras tantas pessoas. Nessa confusão de interpretações, acabamos agindo de maneiras indesejáveis — ou, neste caso, não colaborando com o tal distanciamento — de modo involuntário. Pouco tempo depois, adotou-se mundialmente a campanha #FiqueEmCasa — esta, sim, absolutamente clara;
  • opções-padrão: talvez um dos tipos de nudge mais eficientes, justamente por representar a “escolha passiva”. Devido a questões como desinteresse, preguiça, distração ou medo, as pessoas tendem a manter todas as opções que já lhes são previamente apresentadas. Dessa forma, governos, ONGs e empresas podem construir abordagens que tragam pré-selecionadas condições que ajudem as pessoas a seguir caminhos desejados, a fim de terem melhores resultados. Um excelente exemplo de opção-padrão são os planos de previdência nos EUA: ao ingressar em uma empresa e assinar o formulário de contratação, os novos funcionários têm de marcar um “x” em um quadrinho caso não queiram participar do programa. Dessa forma, mais de 70% deles têm sido automaticamente registrados em planos de previdência, vantajosos no longo prazo. E simplesmente… por não fazer nada!
  • simplificação do contexto: complexidade aumenta a incerteza e esta, por sua vez, gera paralisia. Pessoas em dúvida adiam suas decisões indeterminadamente. Por conseguinte, simplificar formulários, planos de comunicação, interfaces de sistemas e processos é uma forma muito eficaz de garantir que as pessoas atinjam os resultados esperados

Agora que você já sabe como dar os primeiros passos na criação de intervenções comportamentais — NUDGES! \o/ — fique ligado(a): em breve, novos artigos com dicas e aplicações em diversas áreas.

Saiba mais

Clean Europe Network. (2016). Nudging: from Denmark with love. Reportagem sobre a companha “Pure love”, realizada entre 2012 e 2015 em Copenhague, Dinamarca, para redução da quantidade de lixo jogada no chão.

Clean Europe Network. (2017). Hold Norge rent. Campanha para manter a Noruega bonita e limpa.

Clean Europe Network. (2017). Stop déchets sauvages, Workshop sobre bitucas de cigarro jogadas no chão e seu impacto ao meio ambiente.

Evans-Pritichard, B. (2013). Aiming to reduce cleaning costs. Análise sobre o case dos mictórios no aeroporto de Schiphol.

Pure Province. Iniciativa belga para ações voltadas à limpeza e manutenção do meio ambiente (apenas em francês).

Thaler, R. (2019). Misbehaving: A construção da Economia Comportamental. São Paulo: Intrínseca.

Thaler, R., Sunstein, C. (2019). Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. São Paulo: Objetiva.

Notas

[1] Esta ideia, bem como a imagem exibida logo abaixo deste trecho, se refere ao programa “Pure Love”, implementado em Copenhague. Para mais detalhes, vide referência sobre “Clean Europe Network”.

[2] Os resultados variam entre as cidades e também ao longo do tempo: enquanto era novidade, o piano de Estocolmo atraiu 66% dos passageiros em um determinado período. Após alguns dias, esse número foi diminuindo, o que evidencia a necessidade de acompanhamento e ajustes para que o nudge permaneça efetivo em sua proposta.

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Tiago Rodrigo

Product Manager | Futures Thinker | Behavioral & Data Science