30 dias de Ciências Comportamentais [01–10]
Neste mês de julho, me propus um desafio: pesquisar, compilar e publicar, ao longo de 30 dias, conteúdos relacionados às Ciências Comportamentais. Direcionado tanto a pessoas novas no tema, quanto entusiastas e praticantes com boa quilometragem, o objetivo é oferecer uma mescla de indicações, referências, trabalhos realizados, curiosidades, descobertas e — com certa moderação — , polêmicas recentes.
Este artigo, portanto, organiza esse projeto, publicado originalmente no LinkedIn entre os dias 13 de julho e 23 de agosto de 2021, e geralmente acompanhado por e-books . Links para os posts e reproduções parciais do material em PDF serão incluídos aqui. Ademais, e até a finalização da trilha, o artigo será atualizado semanalmente — uma espécie de repescagem para quem se perder no scroll down infinito das redes sociais.
Dia 01 : Guias de referência
Para começar, nada melhor que a sugestão do Behavioral Economics Guide. Idealizado em 2014, com organização do Alain Samson, o projeto se expandiu e se tornou uma referência anual para entusiastas e novos praticantes, trazendo discussões recentes focadas na teoria e prática das Ciências Comportamentais, além de uma listagem com publicações dedicadas, autores e programas de especialização disponíveis ao redor do mundo
Em linguagem simples, o BE Guide é uma excelente fonte de conteúdo — tanto para iniciantes no tema, como para entusiastas que buscam ideias para novos projetos, abordagens e métodos de pesquisa científica.
Para fazer o download da edição de 2021, clique aqui. Neste ano, o editorial, escrito por Siri Chilaz & Iris Bohnet, foca abordagens comportamentais que promovam ações de diversidade, igualdade e inclusão.
(Aproveitando: no LinkedIn, há um grupo mundial dedicado ao tema.)
No Brasil, a maior referência, sem dúvida, é o Guia de Economia Comportamental e Experimental, com organização da Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi — livro está disponível para download gratuito aqui. O portal EconomiaComportamental.org, aliás, foi um dos pioneiros no país e traz sempre discussões atualizadas sobre o tema.
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Dia 02 : Por onde começar; por onde comecei
O ano era 2014. Atuando na área de projetos com foco tecnológico há quase uma década, queria explorar caminhos que fossem menos… tecnológicos, digamos assim.
E foi aí que, por acaso, descobri o curso “Um guia para principiantes sobre o comportamento irracional”, ministrado pelo Dan Ariely. Embora não esteja mais disponível no Coursera, ele despertou meu interesse pelo tema e suas possibilidades, principalmente porque o assunto ainda era (e continua sendo) novidade no Brasil.
Hoje, uma excelente opção para quem está começando na área é o BE101x, conduzido pelo Dilip Soman, na plataforma edX. O curso é gratuito e pode ser acessado aqui.
O que fazer agora?
- Inscreva-se no curso e compartilhe sua jornada (O compromisso social reforça nossa propensão a seguir adiante com as lições);
- Bloqueie uma data/horário para assistir aos vídeos e ative lembretes (Com um plano de ação, fica mais fácil tomar a decisão de estudar, em vez de simplesmente procrastinar)
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Dia 03 : Sistema 1, Sistema 2: duas formas de pensar… e decidir
Por mais de duas décadas (final dos anos 1960, começo dos 90), os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky trabalharam juntos, levantaram hipóteses e desenharam experimentos para colocá-las à prova. Dessas iniciativas surgiram diversas contribuições importantes para o campo das Ciências Comportamentais, especialmente no que diz respeito à maneira como somos influenciados pelo contexto.
Já em 2011, boa parte dessa pesquisa acadêmica foi transformada em livro: “Rápido e devagar, duas formas de pensar”, que logo se tornou best-seller e um dos pilares para quem busca entender por que nosso cérebro “se deixa levar pelo contexto” (mais especificamente: vieses e atalhos mentais).
Nele, Kahneman discorre sobre o que chamou de “Sistema 1” e “Sistema 2”, isto é, nossas duas respostas cognitivas perante uma decisão — tema posteriormente desdobrado pela Neurociência, particularmente por meio do trabalho de António Damásio.
Sistema… 03?
Em 2016, pesquisas de Dijksterhuis & Strick deram início a uma nova discussão: situações em que deixamos de pensar conscientemente sobre um determinado problema, embora nosso cérebro continue, de forma inconsciente, “juntando peças” para resolvê-lo, configurariam um suposto 3º processo cognitivo. Divirta-se a partir daqui.
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Dia 04 : Cultura de experimentação
A Psicologia e, em particular, os métodos nela utilizados para experimentação, formam uma das mais importantes bases das Ciências Comportamentais — desde as pesquisas realizadas por Herbert Simon nos (já distantes) anos 1960, a respeito da tomada de decisão nas organizações — pela qual ganhou o Nobel de Economia em 1978 — até hoje, com todo o aparato tecnológico para coleta de dados e modelagem estatística.
Existem vários modelos ( frameworks ) para realizar pesquisas e experimentos comportamentais:
- 3Bs (behavior, barriers, benefits), idealizado pelo time do Irrational Labs;
- 4Es (enable, encourage, engage, exemplify), usado em projetos de políticas públicas, no Reino Unido;
- D.R.I.V.E. (define, research, identify, validate, execute), aplicado em iniciativas de caráter socioeconômico das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde;
- MINDSPACE (messenger, incentives, norms, defaults, salience, priming, affect, commitments, ego), a partir do qual surgiu o Behavioural Insights Team, também no R.U.
e tantos outros.
Mas… qual o melhor?
Depende. Da sua necessidade e do contexto. Comecei — e ainda uso — o D.R.I.V.E., porque ele se assemelha bastante à sequência e à logica de etapas proposta nos métodos de ideação/inovação, tais como o Design Thinking. Ultimamente, tenho aplicado também o 3B. No dia a dia, vale testar qual se adapta melhor a seu estilo de trabalho ou à cultura de sua organização (uma espécie de experimento para ver qual o melhor método de fazer experimentos)
Entretanto, e apesar de sua importância, a experimentação continua sem grandes focos nas trajetórias acadêmicas, inclusive (ou seria principalmente?) em programas voltados a negócios, como especializações e MBAs. Com toda a tecnologia disponível para analisar dados, o que falta para esta disciplina ganhar mais cadeiras? Um artigo recente escrito por Elizabeth Tenney, Elaine Costa e Ruchi Watson para a Harvard Business Review discute esse ponto/preocupação.
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Dia 05 : Armadilhas e atalhos mentais
Para simplificar o processamento de informações e, consequentemente, economizar energia, nosso cérebro desenvolveu estratégias para lidar com situações de tomada de decisão.
Dentre elas, temos os vieses cognitivos, que são erros sistemáticos[1] em nossa forma de pensar. Eles ocorrem quando tentamos interpretar as informações disponíveis, mas avaliamos o contexto de maneira parcial ou incorreta.
Outra dessas condições são as chamadas “heurísticas” (ou simplesmente “atalhos mentais”). Literalmente, caminhos mais curtos que tomamos, geralmente substituindo questões mais complexas por simplificações, a fim de decidir mais rápido.
Deixar de tomar a vacina contra a COVID-19 por conhecer uma única pessoa que teve reações após tomá-la, por exemplo, é um desses atalhos. Neste caso, estamos substituindo uma questão complexa, a respeito da proteção contra a COVID-19, por uma mais simplória: “conheço alguém que tomou e teve reações?” — o que pode nos levar a decisões equivocadas e perigosas.
Desde 2016, o Cognitive Bias Codex tem sido compartilhado dezenas de milhares de vezes. Ele contém os mais de 180 vieses e atalhos mentais mapeados até então:
Conhecê-los é um bom ponto de partida; mas não garante uma intervenção comportamental de sucesso, já que no contexto “real”, há muitas sutilezas, interferências adicionais e sobreposição de efeitos.
[1] Gerd Gigerenzer é um dos grandes críticos dessa abordagem, classificando esses atalhos mentais (heurísticas) como um aspecto da evolução humana responsável por várias respostas não só úteis, mas essenciais à nossa sobrevivência e assimilação das demandas do cotidiano. Detalharei este tema mais à frente.
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Dia 06 : Um empurrãozinho
Para quem ainda é novo no tema, o mictório na capa pode parecer estranho. No entanto, ele é um dos mais famosos casos de nudge: a inocente mosca adesivada nos mictórios do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, foi suficiente para desviar a atenção de seus utilizadores, que então “ajustavam a mira” para acertá-la. Resultado: menos respingos no chão e, consequentemente, menos produtos e tempo de limpeza.
A pesquisa comportamental ganhou espaço para além das universidades, a partir do momento em que foi vislumbrada como uma poderosa ferramenta para ajudar pessoas — seja em termos financeiros (formação de poupança de longo prazo, por exemplo), de saúde e bem-estar (alimentação mais saudável), de práticas sustentáveis (redução do consumo de energia), dentre tantas outras aplicações.
Chamadas de “nudges”, essas intervenções ofereciam o respaldo científico que há muito se buscava para explicar comportamentos e decisões, e que foi em grande parte viabilizado pelas novas técnicas e ferramentas da Neurociência — muito embora áreas como Marketing e Comercial já aplicassem algumas dessas abordagens no posicionamento, anúncio e precificação de produtos (não necessariamente em benefício do consumidor).
Consolidadas por Richard Thaler (Nobel em Economia, 2017) e Cass Sunstein, os nudges — palavra em inglês que se refere aos empurrõezinhos que se dá com o cotovelo para chamar a atenção de alguém — foram incorporados por governos na definição de políticas públicas (a princípio no Reino Unido, depois EUA e daí para diversos outros países, inclusive o Brasil) e organizações, como parte de estratégias de inovação focadas no fator humano. Segundo os autores
nudges são intervenções simples e baratas, que não promovem qualquer alteração nos incentivos financeiros.
De forma sutil, e por vezes inusitada, essas pequenas soluções calibram o processo de tomada de decisão, facilitando escolhas consideradas melhores.
Importante: nudges não eliminam a liberdade de escolha nem oneram o tomador de decisão. Apenas aproveitam os vieses e atalhos mentais que nos são inerentes para oferecer uma ajudinha.
Quem é o melhor jogador do mundo? Campanha para reduzir a sujeira nas ruas, especialmente guimbas de cigarro.
A Lush também desenvolveu um sabonete-nudge (30-sec-soap), que se dissolve em 30 segundos, o tempo necessário para lavar corretamente as mãos.
Na imagem acima, parte das campanhas da Heineken. Objetivo: estimular as pessoas que vão dirigir a optar por bebidas sem álcool: porta copos enfatizando a opção, cartões de compromisso social e adesivos de saliência nos estacionamentos.
Nos escritórios do Google: estação de frutas e alimentos saudáveis no lugar das vending machines cheias de refrigerante e salgadinhos.
As possibilidades de aplicação de nudges são infinitas.
Para seguir e manter no radar: Behavioral Scientist, BVA Nudge Unit, CLOO Behavioral Insights Unit, EconomiaComportamental.org, The Behavioural Insights Team, The Decision Lab.
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Dia 07 : Meet-ups
Desde setembro de 2018, a Comunidade de Ciências Comportamentais organiza encontros mensais para discutir trabalhos e estudos sobre o tema, além de networking. Com a pandemia, o grupo, organizado pelo Guilherme Lima e Artur Mascarenhas adotou o formato online — o que permitiu a expansão para pessoas de outras regiões e, também, a participação de convidados internacionais.
Elina Halonen, Kate Laffan, Magali (Maggie) Delmas e Zarak Khan foram alguns dos nomes que já participaram dos encontros — as gravações estão disponíveis aqui.
Para fazer parte, acesse a página da C3 no MeetUp e coloque os próximos eventos na agenda.
O próximo acontece em 29 de julho, às 19h. Luciano Lauri Pires vai contar sua experiência à frente da Behavioral Insights Unit do Itaú Unibanco.
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Dia 08 : Clube do livro, de palestras e networking
O Behavioural Science Club é um grupo focado em promover a leitura de títulos relacionados às Ciências Comportamentais, bem como organizar discussões com seus autores. A ideia surgiu a partir do Nudgestock, evento global organizado pela Ogilvy UK e que, em 2020, foi realizado de forma online, totalmente gratuita — iniciativa que representou uma verdadeira volta ao mundo pelas Ciências Comportamentais, trazendo palestras ao vivo durante 12h seguidas, da Austrália até os EUA.
O primeiro convidado do BeSci Club foi justamente Rory Sutherland, Vice-Presidente da Ogilvy e um dos grandes nomes da área.
Além de uma lista anual de leituras, o grupo oferece um fórum para troca de ideias e networking.
A edição 2021 do Nudgestock também foi online e está disponível na íntegra aqui. Que tal trocar aquela maratona de seriado repetido no Netflix por uma maratona de palestras? #DesafioDoTiago
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Dia 09 : Rory Sutherland — O inusitado como estratégia
Rory Sutherland é um dos grandes porta-vozes e praticantes das Ciências Comportamentais no mundo dos negócios.
Hoje Vice-Presidente da Ogilvy, ele construiu uma carreira de sucesso a partir de insights dessa área, buscando soluções menos ortodoxas em campos onde a regra era seguir caminhos puramente lógicos.
Suas TED Talks somam mais de 7,5 milhões de visualizações. Falando nelas:
Seu último livro “Alchemy — the surprising power of ideas that don’t make sense” (Alquimia — o surpreendente poder das ideias que não fazem sentido”, em tradução livre) é uma grande provocação e convite para explorarmos possibilidades que, num primeiro momento, podem parecer até absurdas.
“Não faz sentido usar a lógica quando todos estão fazendo o mesmo.”
“Atreva-se a ser trivial.”
Há diversas entrevistas com Sutherland disponíveis na internet (embora a maioria apenas em inglês) e, ao longo dos últimos 2 anos, ele tem participado de vários podcasts. Vale conferir (mas não se limite a):
“A natureza da nossa atenção define a natureza de nossa experiência.”
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Dia 10 : Timeline — prêmios Nobel
Ao longo da história, diversos pesquisadores que transitaram pela área comportamental foram laureados com o prêmio Nobel em Ciências Econômicas — ainda que alguns não fossem exatamente… Economistas. Vejamos a linha do tempo:
As Ciências Comportamentais são um campo em rápida expansão, e a quantidade de “Nobéis” nessa área indica quantos impactos positivos ela tem trazido a diversas frentes.
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